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Crédito consignado privado: Um avanço necessário que ainda exige segurança jurídica

MP 1.292/25 inova ao criar o “Crédito do Trabalhador”, mas expõe riscos ao FGTS e traz lacunas que exigem urgente regulação e cautela jurídica.

Por Henrique Parada

No mês passado, abordei neste espaço as mudanças estruturais propostas pelo governo para o crédito consignado, com foco no setor privado. Desde então, a MP 1.292/25 trouxe novidades relevantes que merecem uma análise crítica mais aprofundada.

Se por um lado a medida representa um passo na direção da democratização do acesso ao crédito, por outro, levanta dúvidas legítimas sobre a real proteção dos trabalhadores frente a riscos financeiros futuros.

A evolução do debate: O que a MP efetivamente trouxe

O novo modelo cria a figura do “Crédito do Trabalhador”, uma linha de empréstimo consignado contratada diretamente por meio da Carteira de Trabalho Digital, sem necessidade de convênios entre empregadores e instituições financeiras.

Além disso, permite que o trabalhador utilize parte do seu FGTS e a multa rescisória de 40% como garantias da operação – um ponto que, à primeira vista, parece inovador, mas que merece reflexão mais cuidadosa.

Importante destacar: a MP ainda não foi convertida em lei e permanece em tramitação no Congresso Nacional. Até lá, continua válida provisoriamente, mas pode sofrer alterações.

O avanço prometido – e seus limites

Sem dúvida, a nova sistemática resolve uma série de entraves operacionais históricos do consignado privado. Dispensa convênios burocráticos, amplia a concorrência entre bancos e dá maior autonomia ao trabalhador para contratar crédito de forma simplificada.

Entretanto, essa aparente modernização esconde riscos que não podem ser ignorados.

A utilização do FGTS como garantia de empréstimos é, na prática, uma forma de expor a poupança trabalhista a riscos típicos de operações financeiras privadas – algo que sempre foi rechaçado no desenho original do FGTS, criado como reserva de segurança em momentos de desemprego e necessidade.

O que se apresenta como benefício imediato pode, na realidade, significar perda de proteção futura. Afinal, em caso de demissão e inadimplência, o trabalhador não terá acesso ao seu saldo integral de FGTS, pois parte dele será automaticamente utilizada para quitar o empréstimo.

Não se trata apenas de uma questão técnica. É uma mudança de filosofia: o FGTS deixa de ser exclusivamente uma proteção social para virar também uma garantia bancária.

Risco real de endividamento

Outro ponto que merece atenção é o estímulo indireto ao endividamento.

O crédito fácil, rápido, com desconto automático em folha e sem necessidade de negociação formal cria um ambiente propício para contratações impulsivas. Ainda que o governo tenha divulgado a intenção de enviar “mensagens de educação financeira” no aplicativo, sabemos que o apelo do crédito imediato fala mais alto para quem enfrenta dificuldades econômicas no dia a dia.

Aqui cabe um alerta: a modernização do acesso não pode ser confundida com incentivo ao endividamento desmedido.

Se a linha de crédito não for utilizada de maneira estratégica – por exemplo, para trocar dívidas mais caras ou para necessidades realmente essenciais -, ela poderá se tornar mais um fator de agravamento do quadro já preocupante de superendividamento no país.

Problemas operacionais e lacunas ainda não resolvidas

Além dos aspectos financeiros, é preciso destacar que o modelo apresentado pela MP ainda não solucionou diversas questões práticas importantes, que geram insegurança tanto para bancos quanto para trabalhadores e empregadores.

Um dos casos mais preocupantes é o dos trabalhadores afastados por doença ou acidente.

Se o desconto em folha é a principal garantia de adimplência, o que acontece quando o empregado passa a receber benefício do INSS, sem salário formal?

A MP não esclareceu se:

O banco poderá exigir o pagamento diretamente do trabalhador durante o afastamento;
O banco poderá executar imediatamente as garantias (FGTS, multa rescisória);
Haverá suspensão temporária do pagamento com posterior retomada;
O INSS poderia ser obrigado a realizar desconto, o que, atualmente, não é permitido.
Essa lacuna operacional pode gerar judicializações em massa e insegurança para todos os envolvidos. É uma falha de desenho regulatório que precisa ser enfrentada com urgência, seja via regulamentação infralegal ou ajustes na conversão da MP em lei.

Além disso, permanecem dúvidas sobre:

Como proceder em casos de rescisão contratual sem saldo suficiente no FGTS;
Como será operacionalizada a portabilidade entre empregos e a reativação automática dos descontos;
Qual será o fluxo de informações entre empregadores, bancos e a plataforma do eSocial em situações excepcionais.
Esses pontos mostram que, além de discutir o mérito do uso do FGTS, é fundamental exigir segurança jurídica e clareza procedimental na implementação prática do novo modelo.

Intervenção futura e insegurança jurídica

Embora a MP tenha optado por não fixar teto para os juros praticados, há uma sinalização de que o governo pode intervir posteriormente, caso considere os encargos excessivos.

Isso gera um cenário de insegurança jurídica para bancos e investidores e, por consequência, pode afetar a própria estabilidade da modalidade.

Em um ambiente econômico que ainda busca previsibilidade, criar um produto novo já acompanhado da possibilidade de intervenção regulatória futura é, no mínimo, contraditório.

Conclusão: Modernizar, mas com responsabilidade

Não se pode negar: modernizar o crédito consignado no setor privado era necessário.

O sistema antigo, dependente de convênios e travado em burocracias, limitava o acesso e prejudicava principalmente trabalhadores de pequenas empresas e de categorias menos organizadas.

Contudo, modernizar não é sinônimo de desproteger.

Ao trazer o FGTS para o centro da operação, o governo cria um produto híbrido: é crédito privado com garantias sociais.

Essa mudança exige não apenas regulamentação clara e equilibrada, mas também um esforço de conscientização real para que o trabalhador compreenda os riscos de usar seu patrimônio trabalhista como moeda de troca.

E mais: sem resolver as lacunas operacionais identificadas – como o tratamento dos afastados – o modelo corre o risco de criar um novo contencioso judicial, exatamente o que deveria ser evitado.

Educação financeira séria, transparência nas condições de contratação, segurança jurídica dos contratos e respeito à função social do FGTS serão elementos decisivos para que o “Crédito do Trabalhador” cumpra o papel que promete – e não se transforme, no futuro, em mais uma fonte de vulnerabilidade social.

Seguimos acompanhando de perto os desdobramentos no Congresso, certos de que o aprimoramento técnico e jurídico será imprescindível para garantir que o avanço seja, de fato, um avanço – e não uma falsa solução para problemas ainda mais complexos.

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