Sem tentativa prévia de diálogo não há pretensão resistida e a advocacia preventiva ganha papel central na contenção da judicialização.
Por Thais Alves de Araújo e Viviane Ferreira
A crescente judicialização das relações de consumo e contratuais no Brasil tem imposto ao meio jurídico o desafio de repensar suas práticas. Nesse contexto, a advocacia preventiva vem se consolidando como ferramenta essencial para a contenção do passivo judicial, a melhoria da experiência do cliente e a preservação da imagem institucional. Um dos temas que ganha destaque nesse cenário é a discussão sobre a caracterização, ou não, da pretensão resistida nos casos em que não houve qualquer tentativa prévia de contato administrativo antes da propositura da ação judicial.
A pretensão resistida é um dos elementos que justifica o interesse de agir e legitima o ajuizamento de uma demanda. Trata-se da recusa, expressa ou tácita, ao direito invocado pelo autor. Essa resistência é o que caracteriza o conflito de interesses que deve ser resolvido pelo Judiciário. Contudo, quando o demandante não promove qualquer tentativa prévia de resolução administrativa, levanta-se a seguinte indagação: é possível falar em resistência a uma pretensão que sequer foi apresentada?
Na prática, muitos consumidores ou contratantes ajuízam ações diretamente no Judiciário, pleiteando obrigações ou indenizações sem que antes tenham buscado contato com a empresa, seja por canais de atendimento, notificações ou plataformas de autocomposição. Essa conduta fragiliza a tese de pretensão resistida, pois não há, de fato, negativa ou oposição da parte contrária – há apenas a omissão do autor em submeter o conflito ao crivo da esfera administrativa. Sob a ótica preventiva, essa postura é altamente prejudicial, pois impede a empresa de conhecer o caso concreto, verificar a legitimidade do pedido, corrigir eventuais falhas operacionais e evitar judicializações desnecessárias. Além disso, a ausência de tentativa prévia impede a construção de um histórico de atendimento, elemento essencial para defesa técnica consistente.
Do ponto de vista da advocacia preventiva, é essencial que as empresas adotem políticas claras e eficazes de atendimento e resolução extrajudicial. Isso inclui canais de atendimento acessíveis e funcionais, registro e monitoramento das demandas administrativas, resposta objetiva e tempestiva às solicitações, capacitação das áreas envolvidas para tratamento adequado das manifestações e uso de dados analíticos para identificação de padrões de judicialização sem prévia tratativa administrativa. Essas práticas não apenas possibilitam a solução de demandas de forma célere, como também fornecem subsídios robustos para a contestação de ações propostas prematuramente. Há jurisprudência crescente no sentido de reconhecer a ausência de interesse de agir quando não há qualquer tentativa de solução administrativa, especialmente em setores regulados.
Além de estruturar bem os canais internos, o jurídico preventivo pode atuar ativamente em campanhas de incentivo à conciliação extrajudicial, deixando claro aos clientes e parceiros que a empresa prioriza a solução amigável dos conflitos. Ações como envio de comunicações prévias, respostas amigáveis a notificações extrajudiciais e adesão a plataformas de mediação online são cada vez mais valorizadas pelo Judiciário.
A ausência de contato administrativo prévio enfraquece a tese da pretensão resistida e priva a parte contrária de seu direito de se manifestar sobre a demanda, em total descompasso com os princípios da cooperação e da boa-fé processual. Nesse sentido, o papel da advocacia preventiva é duplo: estruturar e tornar efetivos os canais de atendimento, mas também monitorar e reagir estrategicamente aos casos em que a judicialização se deu sem qualquer tentativa de diálogo. Afinal, prevenir litígios não é apenas evitar o conflito, mas construir pontes para que ele possa ser resolvido antes que se transforme em processo.